Advogado que atuou no casos Bernardo e Kiss vira réu por organização criminosa e lavagem de dinheiro
Segundo o Ministério Público, Jean de Menezes Severo era responsável por repassar ordens de preso isolado no sistema federal; criminalista nega e se diz "perseguido"
Um advogado que atuou nos júris dos casos Rafael, Kiss e Bernardo é apontado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) como 'braço financeiro' de uma organização criminosa. Jean Severo está entre as 24 pessoas que viraram rés na segunda-feira (28).
A investigação começou em 2019. A denúncia foi aceita pela Vara de Lavagem de Dinheiro de Porto Alegre. O advogado é acusado de organização criminosa, lavagem de dinheiro e receptação.
Jean Severo negou as acusações e disse à reportagem da RBS TV que está sendo perseguido. "Isso é uma tremenda mentira. A Polícia Civil e o Ministério Público são órgãos covardes. Eu fui acusado disso por rasgar livro de promotor e por dizer que delegado de polícia em júri era mentiroso e covarde", alega o advogado.
O delegado Márcio Niederauer, que investigou o caso, afirmou que "a conclusão do inquérito policial baseia-se em provas técnicas, pautadas em diversos elementos colhidos ao longo da investigação". Ele acrescenta que "não por acaso os indiciados foram denunciados pelo Ministério Público, e a denúncia foi recebida pelo Poder Judiciário".
O Ministério Público não comentou as declarações do advogado.
A denúncia
De acordo com o MP, era pelo advogado que o chefe de uma organização criminosa, preso em uma penitenciária federal, repassava as ordens ao grupo. Os promotores acrescentam que o defensor ocultou bens de traficantes, forneceu contas de passagem para lavagem de dinheiro e simulou negócios para impedir a identificação do patrimônio dos integrantes do grupo.
"Ao agir assim, Jean Severo assumiu a efetiva função de integrante do grupo criminoso, em completo desrespeito aos postulados da advocacia", diz trecho da denúncia.
Conversas entre os suspeitos de integrarem o grupo, interceptadas pela polícia, levaram ao nome de Jean. Por ser advogado de um dos chefes da organização criminosa, ele teria livre acesso ao comando e atuaria diretamente no cumprimento de determinações do primeiro escalão e no repasse de ordens.
"Este escalão é formado pelos indivíduos que atuam no apoio direto, notadamente pela maior confiança que possuem dentro da organização. Portanto, comunicavam-se diretamente com os líderes-maiores do grupo e a eles respondiam por suas ações, já que considerados seus "braços-direitos"', afirmam os promotores.
Uma das provas levantadas pelo MP seria uma troca de mensagens de Jean com outro denunciado, ocorrida em junho de 2018. O advogado escreve: 'o menino me liberou 10. Posso ir buscar?'. Menino seria a alcunha utilizada pelo traficante Antonio Marco Braga Campos.
Segundo os promotores, em 2018, foram depositados, em sequência, mais de R$ 150 mil. A quantia seria dinheiro do tráfico de drogas para ser lavado.
"No presídio federal não existe como passar mensagens, qualquer acadêmico de direito sabe. E esse rapaz estava com problema psiquiátrico aqui no Rio Grande do Sul, eu tenho laudo aqui pra mostrar, só que pra polícia não interessa", contesta Jean.
O crime de receptação teria sido cometido a partir de um veículo de luxo usado por Jean. O MP afirma que o carro foi comprado por chefes da organização criminosa e repassado para o advogado.
Policiais cumpriram ordens judiciais na casa do defensor e apreenderam a chave do veículo. O objeto foi enviado para a fabricante, fora do país, e constatou-se que o carro era clonado.
"As chaves apreendidas foram encaminhadas para a Alemanha, averiguando-se que o chassi único vinculado correspondia a um veículo emplacado em Santa Catarina em nome de uma pessoa jurídica cujos donos eram moradores da cidade de Joinville, Santa Catarina, e o proprietário nunca esteve no Rio Grande do Sul, conforme informou a Polícia Civil de Santa Catarina", sustentam os autores da denúncia.
Jean assevera que "a chave não tem nada a ver com processo" e que "nunca andei nesse carro". "A única vez que andei num carro desse tipo foi pra me levarem da rodoviária ao Fórum, eu nunca tivesse esse carro", acrescentou.
O MP determinou a remessa das investigações à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para que medidas sejam tomadas contra o advogado.
"Chegando uma denúncia ao Tribunal de Ética, imediatamente ele é autuado, distribuído para um relator, isso em menos de um dia para que ele comece a analisar e sugira as medidas a serem adotadas. Geralmente, alguns processos são pautados para julgamento em 30 dias", explica o presidente da OAB/RS, Leonardo Lamachia.
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