MP critica série sobre incêndio na Boate Kiss e diz que "obra contribui para a desinformação”
O órgão, que trabalha pela condenação dos quatro réus pela tragédia de 2013, falou da exploração do caso “para o entretenimento”; procurada, Netflix ainda não se manifestou
O Ministério Público do RS se manifestou publicamente, nesta terça-feira (31), sobre a minissérie "Todo dia a mesma noite", que retrata o incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria. No texto, o órgão diz que "a obra contribui para a desinformação e para a criação de uma memória coletiva contaminada por versões e por fatos que não ocorreram como apresentados".
A obra fictícia estreou no catálogo da plataforma de streaming na quarta-feira passada e dividiu opiniões entre os familiares das vítimas. Enquanto um grupo de famílias afirma que pretende processar a Netflix, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da tragédia de Santa Maria publicou uma nota defendendo a exibição do conteúdo.
A nota de esclarecimento publicada pelo MP-RS nesta terça-feira também afirma que "a série explora, para o entretenimento, a dor de centenas de famílias, ainda enlutadas, que aguardam, em longa espera, a punição dos culpados". O órgão ressalta que trabalha pela condenação dos quatro réus pelo incêndio que tirou as vidas de 242 jovens em 27 de janeiro de 2013 – Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos.
O MP-RS aponta que “o mais grave, a produção do canal de streaming expõe uma versão para a opinião pública de um caso ainda em tramitação, que poderá ser objeto de novo júri popular, possibilidade que a instituição luta com muito empenho para afastar.”
No ano passado, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal anularam o júri do caso Kiss ocorrido em dezembro de 2021 e optaram por submeter os réus a novo julgamento. Por 2 votos a 1, entenderam por acatar nulidades alegadas pelas defesas. Com isso, o mérito nem chegou a ser analisado e os réus foram soltos em 3 de agosto.
Sporh, sócio da Kiss, havia sido condenado a 22 anos e seis meses de prisão em regime fechado. Hoffmann, também sócio da casa noturna, tinha sido condenado a pena de 19 anos e seis meses de prisão. Vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Santos foi sentenciado a 18 anos, mesma pena de Leão, produtor de palco da banda.
GZH contatou a assessoria de comunicação da Netflix em busca de um posicionamento, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.
Confira a nota do MP na íntegra
"O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, considerando o interesse público e a realidade dos fatos envolvendo um caso ainda sub júdice, vem a público manifestar-se sobre a série intitulada 'Todo dia a mesma noite', produzida e veiculada pela empresa Netflix.
Mesmo cientes de que se trata de uma ficção, é nossa obrigação, como instituição pública, fazer alguns esclarecimentos. Ao apresentar tanto personagens quanto o Sistema de Justiça, seus ritos e regramentos de forma caricaturada em muitos momentos, a obra contribui para a desinformação e para a criação de uma memória coletiva contaminada por versões e por fatos que não ocorreram como apresentados. Além disso, a série explora, para o entretenimento, a dor de centenas de famílias, ainda enlutadas, que aguardam, em longa espera, a punição dos culpados. E o mais grave, a produção do canal de streaming expõe uma versão para a opinião pública de um caso ainda em tramitação, que poderá ser objeto de novo júri popular, possibilidade que a instituição luta com muito empenho para afastar.
O MPRS vem travando uma longa e árdua batalha para garantir a pronúncia dos quatro réus – responsáveis diretamente pelos homicídios –, a posterior condenação, ocorrida em julgamento realizado em dezembro de 2021 e, atualmente, a reversão da anulação do júri por meio de recursos aos Tribunais Superiores.
Vale lembrar que, desde o início, a instituição vem atuando não só para a condenação, mas para garantir a prisão dos culpados. Além de presos preventivamente por aproximadamente três meses em 2013, foi a partir de recurso do MPRS apresentado ao Supremo Tribunal Federal que os quatro réus voltaram para prisão em 2022 e lá ficaram por cerca de oito meses, cumprindo pena resultante de suas condenações pelo Tribunal do Júri, até a soltura determinada pela Justiça a partir da anulação do julgamento.
Também oportuno destacar que, além dos denunciados por homicídio, outras 47 pessoas foram alvo de ações do Ministério Público, na medida de suas responsabilidades, nas áreas criminal e cível, na Justiça comum e militar. Concluímos manifestando nossa solidariedade aos familiares e sobreviventes da tragédia e reiteramos nossa disposição e empenho para seguir lutando, o quanto for necessário, para que a justiça seja feita."
Fonte: GZH
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