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Monitoramento, educação sexual e rede de proteção: como evitar que crianças sejam vítimas de abusadores na internet

  • Foto do escritor: Saimon Ferreira
    Saimon Ferreira
  • 4 de nov
  • 7 min de leitura

Recente prisão do youtuber conhecido como Capitão Hunter reacendeu o debate sobre os riscos que cercam a presença online dos jovens

Foto: Yevhen / stock.adobe.com
Foto: Yevhen / stock.adobe.com

A recente prisão do youtuber João Paulo Manoel, conhecido como Capitão Hunter, reacendeu o debate sobre os riscos que cercam a presença online de crianças e adolescentes. Manoel, que produzia vídeos sobre o universo Pokémon, foi detido pela Polícia Civil do Rio de Janeiro em outubro, suspeito de exploração sexual de crianças e estupro de vulnerável.


A investigação partiu de uma carta escrita por uma menina de 13 anos, que revelou ter conhecido o youtuber aos 11, em um evento de fãs de Pokémon. Os dois passaram a jogar online. Depois, começaram a ter conversas privadas. Até que o influenciador induziu a menina a mostrar suas partes íntimas.


Mensagens obtidas pela polícia mostram que Manoel sabia que estava conversando com uma criança. "Isso não muda nada", respondeu ele ao ser informado pela menina que ela tinha 11 anos. Ele também teria ensinado a garota a apagar as mensagens trocadas.


Comportamento dos predadores digitais

A promotora de justiça Manuela Montanari, da área de infância do Ministério Público do RS, avalia que o caso segue o padrão de atuação dos predadores digitais. O aliciamento sexual, também chamado de grooming, ocorre de maneira progressiva, passando pela criação de vínculo com a vítima, a construção da confiança e a identificação de vulnerabilidades, até que as práticas abusivas aparecem.


— O processo de grooming é lento e gradual. O objetivo é ganhar a confiança da vítima, a fim de convencê-la a praticar determinados atos. O predador estabelece essa confiança, fazendo com que a vítima acredite que o que ele está pedindo não é nada demais ou que será bom para ela. Quando a vítima se expõe, muitas vezes, ele usa esse material para intimidação, ameaçando mostrar as imagens — detalha. 


Conforme a promotora, essa chantagem pode ter objetivos diversos, desde a obtenção de mais cenas íntimas da vítima até o acesso a dados bancários da família. Na maioria dos casos, somente depois da exposição, quando o abusador passa a fazer ameaças, o jovem entende que está sendo vítima de abuso: 


— Quando a vítima se percebe como vítima, em grande parte dos casos, ela já se expôs ao extremo. É uma situação de completa vulnerabilidade, porque há muita vergonha envolvida. A criança ou adolescente teme relatar aos pais que está sendo vítima de um abusador, por medo de ser culpabilizada. 


Sinais de alerta


A resistência que muitas crianças e adolescentes têm de denunciar a situação de abuso joga luz sobre a necessidade de os responsáveis estarem atentos aos sinais de alerta, que ajudam a identificar quando algo fora do normal está acontecendo.


A promotora diz que o primeiro e maior sinal é o isolamento. Isso pode ser percebido quando a criança ou adolescente, antes próxima dos familiares, começa a evitar o convívio. 


— A vítima começa a ficar só dentro do quarto, não conversa mais sobre a sua própria vida, prefere ficar longe dos pais. Muitas vezes, esse isolamento atinge também o círculo social, quando a criança se afasta dos amigos, para de interagir na escola e perde o interesse em atividades das quais costumava gostar — explica Manuela. 


A mudança comportamental é outro importante sinal de alerta. A criança ou adolescente, acuada por conta da situação de abuso, passa a agir de maneira agressiva e impaciente. 


O modo como a criança ou adolescente se veste também deve ser observada. A promotora diz ser comum que as vítimas de abusadores passem por um processo de aversão ao próprio corpo, comumente manifestado por uma mudança no padrão das vestimentas, que se tornam mais largas e fechadas. 


Tal alteração também pode servir para esconder possíveis marcas de automutilação. Por isso, os pais e responsáveis precisam estar atentos a qualquer sinal físico que possa indicar autoagressão. 


Parceria com a escola


Além dos pais, a escola deve estar atenta. Conforme a promotora, é comum que crianças e adolescentes vítimas de abuso transmitam sinais de alerta no ambiente escolar, onde passam grande parte de seus dias. 


— É importante que haja uma interlocução entre as famílias e os educadores, porque a vítima pode manifestar o abuso em desenhos ou redações, expondo as dores e os medos que sente — detalha a promotora, salientando que mudanças no comportamento em relação a colegas e professores também pode ser um sinal. 


As escolas fazem parte da rede de proteção e dividem a responsabilidade pelo amparo aos estudantes. O Ministério Público está entre as instâncias que atuam na capacitação dos profissionais de educação, a fim de que consigam reconhecer os sinais de alerta. Para que isso funcione, é preciso que as famílias estejam abertas e vejam a escola como aliada. 


— Se a escola está reportando alguma coisa, os pais precisam dar a devida atenção. Isso não pode ser negligenciado — diz.


Monitoramento dos pais


Para além da atenção aos sinais de alerta, é imprescindível que haja um monitoramento prático da vida online das crianças e dos adolescentes, que envolve definição de limites para o tempo que passam na internet e a checagem dos conteúdos que acessam e com quem se relacionam. 


A promotora Manuela sugere que sejam feitos combinados entre pais e filhos, a fim de facilitar a supervisão:


  • Manter celular e computador sem senha, para que estejam acessíveis aos pais 

  • Manter a porta aberta quando estiver jogando online ou usando o computador, para que os pais possam visualizar

  • Jamais utilizar fones de ouvido ao jogar online, para que os pais consigam ouvir o que é dito

  • Não levar o celular para o quarto na hora de dormir


Manuela destaca que essas estratégias devem ser acordadas com diálogo e confiança, para que não sejam lidas como invasão de privacidade: 


— Crianças e adolescentes têm direito à privacidade, mas esse direito acaba onde começa a necessidade de proteção. Os pais precisam explicar isso a seus filhos, para que eles entendam que os adultos não estão sendo invasivos, que eles têm o dever de protegê-los.


Jane Felipe de Souza, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora da infância, reflete que muitos pais, temendo cair no autoritarismo, resistem a monitorar a vida online dos filhos. Para ela, contudo, a prática também deve ser encarada pelo viés da proteção. 


— A geração mais antiga foi criada de uma forma muito repressora, e é comum que agora os pais queiram criar os seus filhos de um jeito diferente, com mais diálogo e confiança. Porém, devemos diferenciar autoridade de autoritarismo. Assim como é preciso supervisionar se a criança escovou os dentes, tomou banho e fez o tema de casa, é preciso supervisionar o que ela faz no ambiente virtual — explica.


Jane frisa que a supervisão pode ser estabelecida de maneira cordial, sem que envolva atitudes repressoras. 


— É possível perguntar amigavelmente quem são os amigos virtuais do filho e o que eles costumam conversar, pedir que apresente os canais que segue e diga porque gosta do conteúdo ou que explique os jogos que tem hábito de jogar — exemplifica. 


Ferramentas de supervisão


Um bom primeiro passo é utilizar as ferramentas de supervisão que fazem parte dos sistemas operacionais dos celulares e podem ser ativadas pelos pais no aparelho da criança. 


No Android, o recurso está disponível nas configurações, no menu "bem-estar digital e controles parentais" (a nomenclatura pode variar conforme o celular). Ativando o mecanismo, é possível supervisionar as contas da criança ou do adolescente, definir limites de tempo de uso, restringir aplicativos e aprovar downloads.


No sistema iOS, a ativação é feita no menu "tempo de uso", disponível também na aba de configurações. A ferramenta permite bloquear sites, restringir aplicativos e controlar compras feitas no aparelho. Se o responsável também tiver um aparelho da Apple, pode criar uma conta compartilhada para a criança, que permite a supervisão remotamente.


Também existem aplicativos que ajudam no monitoramento parental. 

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Letramento digital


Segundo a promotora, a falta de vigilância por parte dos responsáveis é a principal preocupação quando se trata dos riscos que cercam a vida online de crianças e adolescentes. 


Esse desafio é agravado pela diferença geracional existente entre pais e filhos. Adultos que cresceram em um mundo analógico criam, agora, crianças e adolescentes que já nasceram imersos nas redes sociais — e muitas vezes compreendem as especificidades das plataformas melhor do que os pais.  


— Por mais que os pais tentem ser presentes nesse aspecto online, há um desconhecimento natural. Nem sempre se trata de negligência ou irresponsabilidade. O grande desafio, enquanto pais e enquanto rede de proteção, é conhecer o mundo que as crianças e os adolescentes estão crescendo, que é muito diferente daquele que nós crescemos — analisa a promotora, indicando o acesso à plataforma MP On, que reúne materiais voltados à promoção de educação digital de pais e responsáveis.


A questão também é apontada como fator crucial pela pesquisadora da UFRGS. Ela aponta que a pouca familiaridade com as ferramentas tecnológicas, por vezes, limita a capacidade de supervisão. 


— Por não terem essa alfabetização digital, os pais não conseguem acompanhar o que está sendo acessado pelos filhos. Isso acaba deixando as crianças e os adolescentes em vulnerabilidade. É importante que as famílias se informem, para que consigam proteger melhor os seus filhos e filhas — diz Jane.


Educação sexual 


A professora da UFRGS afirma que os responsáveis têm a obrigação não só de monitorar e proteger as crianças e adolescentes, mas também oferecer ferramentas de autoproteção. É algo que passa pelo esclarecimento de temas muitas vezes considerados "sensíveis", como a educação sexual. 


Para Jane, o assunto deve começar a ser abordado ainda na primeira infância, evoluindo conforme a capacidade de entendimento de cada faixa etária. O objetivo é possibilitar que a criança ou o adolescente possa reconhecer quando algo não está bem.


— Muitas crianças se tornam vítimas de predadores porque nunca foi dito a elas quais são as atitudes inadequadas por parte de um adulto ou por parte de uma criança mais velha. É fundamental que a criança desenvolva a capacidade de identificar situações de perigo e construa uma relação de confiança com os pais, sabendo que pode contar qualquer coisa para eles — diz a professora da UFRGS.


Ela pondera que muitas famílias falham em fornecer uma educação sexual protetiva em razão de tabus ou preceitos religiosos. Quando os pais não abordam o tema, condicionam os filhos à vulnerabilidade: 


— Educar e informar também é proteger — resume, indicando a leitura do guia produzido pelo Instituto Libertas como um bom primeiro passo para os pais que desejem abordar a educação sexual com os filhos.


Saiba como denunciar


Caso haja suspeita ou confirmação de que uma criança ou adolescente está sendo vítima de uma abordagem abusiva online, a primeira atitude deve ser denunciar às autoridades. 


A promotora Manuela Montanari indica Ministério Público e Polícia Civil como canais preferenciais, mas também lista outras opções, como o conselho tutelar, a polícia militar e a própria escola, que pode ajudar a levar o caso às autoridades. Outra alternativa é o Disque 100, canal do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania para denúncias de violações.


— O importante é denunciar, porque temos muitos mecanismos para buscar a responsabilização desses criminosos e garantir a proteção das crianças e dos adolescentes — diz Manuela, enfatizando que o anonimato da vítima é sempre garantido.


Fonte: GZH

 
 
 

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