Familiares de vítimas da boate Kiss emitem manifesto contra a redução das penas dos condenados
- Saimon Ferreira

- 29 de ago.
- 4 min de leitura
Decisão foi proferida pelo Tribunal de Justiça do RS durante julgamento na terça-feira (26). Tragédia deixou 242 pessoas mortas

A Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) emitiu, na quinta-feira (28), um manifesto em repúdio à decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que reduziu as penas dos condenados pela tragédia da boate Kiss. Ainda cabe recurso.
A tragédia aconteceu em 27 de janeiro de 2013 e deixou 242 pessoas mortas e outras 636 feridas.
No documento, a entidade denuncia o que considera um desrespeito à soberania do júri popular, que condenou os réus por homicídio doloso em 2021. "Tomados por grande indignação", começa a nota. (leia, abaixo, na íntegra).
A AVTSM comenta que "a condenação por dolo foi um marco na história da justiça do Brasil em tragédias causadas por incêndio".
A associação conclui com apelo por justiça.
Leia o texto do manifesto na íntegra:
"Tomados por grande indignação, os membros da direção da AVTSM vêm a público se manifestar sobre a decisão proferida esta semana pelo TJRS e que reduziu PELA METADE as penas dos condenados pela tragédia da boate Kiss, o crime que matou 242 jovens, deixou 636 sobreviventes e milhares de mães, pais, filhas e filhos marcados para o resto da vida, e chocou o Brasil e o mundo.
Antes, é preciso que todos saibam. A condenação por dolo foi um marco na história da justiça do Brasil em tragédias causadas por incêndio. Essa luta dos familiares foi importante e muito se avançou na conscientização e no receio e isso certamente salvou vidas. No entanto, poderia ser muito melhor se o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tivesse nessa e em outras decisões respeitado a Constituição que garante a Soberania do júri.
Outros países deram o exemplo de julgar e punir responsáveis e isso contribuiu enormemente para a diminuição de mortes por incêndio. Os dados não mentem. No Brasil poderia ser muito maior essa diminuição. Continuaremos a nossa missão, que é dar sentido à vida de nossos filhos a que outros vivam com mais segurança.
Agora, mais uma vez, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adotou uma decisão que beneficia os réus condenados. Os 4 condenados, os principais responsáveis pela tragédia e por sua magnitude de tantas vítimas. Os 4 condenados, que gozaram de mais de 10 anos de liberdade depois do massacre, porque só foram julgados em 2021. Foram então condenados de forma soberana pelo júri popular, por homicídio doloso. Na época a contundente sentença condenatória estabeleceu que:
"...para cada vida perdida não será extirpado muito mais do que um mês da liberdade de cada um dos acusados. E isto sem considerar que com o cumprimento de pequena fração da pena já poderão progredir de regime, tudo a viabilizar se cogite de uma retomada relativamente rápida de suas vidas, com a possibilidade de conviverem com os seus, de viajarem, de estudarem, de trabalharem, de conhecerem pessoas, de terem as experiências que são tão maravilhosas no curso de nossas vidas e que, todavia, nenhuma delas as terão as vítimas, as mais de duzentas e quarenta vítimas".
No entanto, o que já era pouco perto do dano por eles causado, pareceu injusto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Lhe parecendo demasiada punição para esses réus, era preciso fazê-la ainda menor, mais irrisória, reduzi-la em 10 anos, para não deixar dúvidas de que as vidas das 242 vítimas - e dos sobreviventes - nada vale para o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul.
Os desembargadores do TJ creem que estão defendendo o Estado de Direito ao reduzirem as penas. Mas não. O que estão fazendo é confirmando a visão social de que as instituiçõesp da democracia não são capazes de responder à demanda de justiça da sociedade. Estão confirmando que os ricos, os que podem pagar advogados influentes e assim se beneficiarem dos meandros da lei processual, sairão ilesos, terão a impunidade garantida. Essa não é de longe a realidade da maioria das pessoas submetidas à lei penal.
O Brasil tem mais de 200 mil processados presos à espera de julgamento, violando a presunção de inocência. No Rio Grande do Sul, esse número chega a mais de 15 mil presos sem condenação de 1o grau; mas os 4 réus da boate Kiss, mesmo depois de condenados pelo júri, foram beneficiados com um Habeas Corpus preventivo pelo TJRS. Na sequência, o mesmo TJRS julgou em tempo recorde as liminares de apelação das defesas para anular o julgamento do júri. Grita aos nossos ouvidos o tratamento célere dado pelo TJ quando esses réus estiveram na iminência de serem presos.
Aliás, se eles estão presos atualmente e cumprindo a condenação dada pelo júri é pela ordem corajosa do STF que cumpriu a Constituição e a soberania da decisão do júri. O que os desembargadores do TJRS estão fazendo é jogando a sociedade no colo do autoritarismo, reforçando a descrença nas instituições e garantindo a impunidade, porque são incapazes de compreender seu papel na garantia da verdade e da justiça."






























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